Dos escritórios e enfermarias para o espaço de performance, as fitas adesivas se tornaram pivô de uma investigação artística nos territórios da Dança Contemporânea e das Artes Visuais no projeto “Fita/Corpo”. No mais recente trabalho de Francisco Rider, apresentado em temporada no Lugar Uma De Artes, em dezembro passado, o material se transformou em segunda pele, produzindo releituras do corpo a partir do movimento dos intérpretes Fabiano Barros e Damares D’Arc.
“Pensamos na pele como um elemento do movimento, e na relação dela com a fita como se esta fosse uma camada, uma segunda pele. Ao se destacar, ela cria texturas sobre o corpo, modificando sua imagem. Aos poucos, o performer estabelece uma relação entre a fita, seu corpo e o ambiente”, descreve Rider, que utilizou esparadrapo no corpo dos intérpretes, além de fita crepe e fitas coloridas no cenário da performance.
Rider assinou a concepção e a direção de “Fita/Corpo”, e a criação se deu em conjunto com os intérpretes Fabiano Barros – que também prestou assessoria plástico-visual ao projeto –, Ana Carolina Souza e Damares D’Arc. “Fita/Corpo” foi contemplado pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2013 e pelo Programa de Apoio às Artes – Proarte 2013, da Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas.
Além da performance, parte das apresentações da temporada de “Fita/Corpo” foram seguidas dos Diálogos, ou bate-papos entre artistas, performers e o público, com mediação de quatro moderadores convidados: a semioticista Ecila Mabelini, o historiador e artista visual Otoni Mesquita, a comunicóloga Mirna Feitoza e o diretor teatral Chico Cardoso.
“O desconcerto do trabalho é bárbaro do ponto de vista da desconstrução e da proposta de como cada um, espectador, em contato com o texto, se apropria do seu lugar de olhar e constrói seu olhar. É o ‘não’ ao enlatado”, escreveu Ecila, que é mestra em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP, a respeito da performance.
Outra ação paralela do projeto “Fita/Corpo” foi a exposição fotográfica “O Workshop: Geografias Manauaras”, também no Lugar Uma De Artes. A exibição reuniu registros do workshop experimental promovido por Rider em agosto passado, feitos pelo fotógrafo João Paulo Machado. A atividade teve a participação dos performers Ademir Oliveira, Fabiano Barros, Demmy Souza, Daniela Alves e Ana Carolina Souza.
“Fita/Corpo” dá continuidade às pesquisas de Rider dentro do Projeto Cênica Corporal Uma, que ele desenvolve desde 2007. Dessa iniciativa já resultaram trabalhos como “BloCorpo” (2009/2010) — selecionado pelo edital Rumos Dança do Itaú Cultural —, “Verde banguelo/Alteração” (2010) e “Chãu” (2013), entre outros.
“É uma proposta bem plástica: olhar o corpo como suporte para visualidades, e em interação com materiais de naturezas diversas”, explica Rider, que já usou em suas performances papéis de bala, papelão, canecas de metal e até blocos de concreto.
LUGAR UMA DE ARTES
A temporada de estreia de “Fita/Corpo” marcou ainda a abertura do Lugar Uma De Artes. Além de abrigar as ações de investigação e experimentação artística do Projeto Cênica Corporal Uma, o espaço também recebe receber ensaios, performances, encontros e exibições de arte de outras companhias, grupos e criadores parceiros.
O Lugar Uma De Artes tem como missão o estímulo à investigação de processos criativos das artes em geral, com ênfase no diálogo entre as linguagens artísticas contemporâneas, tanto nas Artes Cênicas quanto nas Artes Visuais, Literatura ou outras expressões culturais. A iniciativa, segundo Rider, busca suprir uma carência no segmento em Manaus.
“A cidade não tem uma política cultural que fomente ou propicie ao artista lugares onde ele possa desenvolver suas pesquisas artísticas. Como afirma Helena Katz, o artista precisa ter um espaço para desenvolver seu trabalho”, destaca ele.
De forma a garantir uma gestão democrática e atenta à missão da iniciativa, o uso do espaço cultural deverá ser gerenciado por um corpo de conselheiros. Além de Rider, fará parte desse grupo a semioticista Ecila Mabelini.
O Lugar Uma De Artes funciona no subsolo de um imóvel à rua Joaquim Nabuco, 1.436, antiga residência da Sra. Catarina, francesa que atuou como professora de Francês em Manaus. O espaço tem quintal com fundos para o Prosamim, e se destaca ainda pelo piso português e pela arquitetura, com arcos que remetem a uma capela ou mesquita.
PROJETO CÊNICA CORPORAL UMA
Em 2006, após uma longa temporada em Nova York, Francisco Rider voltou a Manaus e começou a desenvolver uma investigação nos territórios da Dança Contemporânea e das Artes Visuais. O “Projeto Uma” (2007) foi o primeiro resultado da iniciativa, e deu origem ao Projeto Cênica Corporal Uma, por meio da qual o coreógrafo e criador vem explorando o conhecimento que acumulou em sua trajetória.
“O projeto é a síntese do que venho fazendo desde que cheguei a Nova York até hoje, de minhas investigações e pesquisas sobre a Abordagem Somática (que enxerga o corpo de forma holística, como conjunção de corpo e mente) e sobre conceitos da Arte Contemporânea, como acaso ou improvisação”, resume Rider.
Outro foco de interesse do Uma, aponta Rider, são as Artes Visuais. “Sou muito influenciado por procedimentos dessas artes, como ver o corpo como um suporte para materiais de naturezas diversas, como fitas, balas de frutas, blocos de concreto e por aí vai”, explica.
Além de “Projeto Uma”, outros trabalhos do Projeto Cênica Corporal Uma são: “BloCorpo” (2009/2010, selecionado pelo Rumos Dança do Itaú Cultural), “Verde banguelo/Alteração” (instalação, 2010), “Figuras transitórias/Figuras caminhantes” (2011), “Chãu” (2013) e “Hescuta” (2014), além do novo “Fita/Corpo”.
QUEM É
Nascido em Manaus, Francisco Rider começou sua trajetória no Teatro em 1980, trabalhando ao lado de Socorro Langbeck, do grupo O Grito, e Wagner Melo, na capital amazonense. Poucos anos depois, seu interesse pela Dança o aproximou do Grupo Experimental de Dança do Teatro Amazonas, onde trabalhou com Dança Moderna sob a orientação de Conceição Souza.
Em 1987, Rider transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde se dedicou ao estudo de Balé Clássico na Escola de Danças Maria Olenewa. Três anos depois, decidido a explorar os novos territórios da Dança Contemporânea, mudou-se para São Paulo. Trabalhou com Célia Gouvêa e Maurice Vaneau no Teatro de Dança de São Paulo, além de atuar em trabalhos independentes, entre eles “Untaibid – A origem das águas” (1992), de Silvia Bittencourt.
Desenvolvendo seu lado criador fora de grandes companhias, Rider passou a fazer parte de um circuito alternativo da Dança em São Paulo, ao lado de nomes como Adriana Banana, Sandro Borelli e Vera Sala. De 1993 a 1995, participou do Movimentos de Dança do Sesc São Paulo, onde exibiu performances como “Pegamáter” e “Náufrago”. Graças a isso, tornou-se o primeiro amazonense a se destacar como criador no cenário paulista de Dança Contemporânea.
Ainda em 1995, Rider foi contemplado com a Bolsa Vitae de Artes, que lhe permitiu fazer uma residência de dois meses para coreógrafos e criadores no American Dance Festival, mantido pela Duke University, em Durham, Carolina do Norte (EUA). No ano seguinte, recebeu bolsa da Capes para fazer residência na Movement Research, em Nova York, centro de referência internacional na investigação em dança e em linguagens baseadas no movimento.
Rider permaneceu por dez anos em Nova York, durante os quais se aprofundou nos estudos somáticos e na aplicação de conceitos contemporâneos à dança, como acaso e improvisação. Ainda ali trabalhou com artistas importantes, como Donna Uchizono, Sarah Pearson e Patricia Hoffbauer, e apresentou-se em lugares dedicados às artes contemporâneas, como Performance Space 122 (PS122), The Kitchen ou Judson Memorial Church.
De volta ao Brasil em 2006, Rider decidiu fixar-se na cidade natal. Seu “Projeto Uma”, concebido no ano seguinte, deu origem ao Projeto Cênica Corporal Uma. Laboratório de investigação em Dança Contemporânea e Artes Visuais, a iniciativa deu origem a processos e performances como “Blocorpo” (2009/2010), “Chãu” (2013) e “Hescuta” (2014), entre outros.
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