Por Wellington Júnior*
A temporada teatral está recheada de influências do dramaturgo e encenador Samuel Beckett – um dos exemplos é a montagem do espetáculo Tríptico Samuel Beckett que conta com a interpretação de Nathalia Timberg e encenação de Roberto Alvim. Este excelente escritor irlandês revolucionou a estética teatral com textos como Esperando Godot, Fim de Jogo e Dias Felizes.
O livro Beckett e a implosão da cena – poética teatral e estratégias de encenação, elaborado por Luiz Marfuz (resultado de sua tese de doutorado), mergulha em algumas contribuições que a cena beckettiana trouxe para compreendermos a teatralidade contemporânea.
Marfuz coloca no centro de suas investigações as relações entre texto e cena. Assim tensiona os procedimentos formais oriundos da dramaturgia e suas possibilidades de reconfiguração no ato teatral. Para realizar essa operação teórica, o autor divide o livro em seis partes: o paradoxo da ação no teatro de Beckett; a desfiguração do espaço e armadilhas do tempo teatral; a decomposição da personagem; cânones, rupturas e estratégias de encenação e atuação; impasses e procedimentos adotados em Comédia do Fim (montagem de cinco textos do dramaturgo irlandês dirigida por Luiz Marfuz); e procedimentos poéticos da implosão da cena, derivados da dramaturgia e da prática teatral beckettiana.
Esta caminhada faz com que possamos ver a tessitura cênica de Samuel Beckett por diversos olhares – criando um espaço polifônico de pensamento sobre a essência do seu teatro. Esse elemento se apresenta mais claramente quando Marfuz, em um de seus capítulos, coloca as diversas vozes dos encenadores da obra beckettiana, o que nos ajuda a perceber como a relação texto e cena funda a teatralidade da implosão.
O pesquisador baiano caracteriza essa poética da implosão nos seguintes procedimentos: (i)mobilidade, sintaxe sonora, espacejamento, polaridade, paridade, simetria, circularidade, contração e subtração. Esses recursos da escrita cênica são confrontados com o desenho de uma cena realista – onde o processo de subjetivação se apoia no olhar da ação cotidiana. Beckett implode essa cena e junto a ela vai também a humanidade.
Lendo este livro, podemos refletir sobre a cena contemporânea que tem se configurado com uma teatralidade do real (com o procedimento de biodramas, site specific), e assim se opondo aparentemente aos desejos de Samuel Beckett. Ao mesmo tempo, observamos espetáculos (como os trabalhos do Club Noir, Socìetas Raffaello Sanzio e da encenadora turca ŞahikaTekand) que são alicerçados por uma teatralidade das convenções. O primeiro processo explode a cena – abrindo-a para o mundo circundante; o segundo se caracteriza pela implosão – fazendo o teatro compreender o mundo a partir de suas possibilidades formais.
A leitura do trabalho de Luiz Marfuz fez-me lembrar de meus trabalhos e estudos sobre a obra de Beckett e como este dramaturgo me influenciou bastante. Em 1993, assisti o espetáculo Esperando Godot, com direção de João Denys, e sai do teatro completamente envolvido com a leitura cênica proposta pelo encenador. No ano seguinte conheci Paulo Michelotto – um dos principais tradutores da obra de Beckett – e o convívio com ele me fez perceber o grande pensador da cena que era esse autor. Por fim, em 2007, tive a chance de interpretar o próprio Samuel no espetáculo Beckett and Lispector com direção de Breno Fittipaldi. Esses três momentos apareceram muito em minhas memórias durante a leitura de Beckett e a implosão da cena.
Essas lembranças não apareceram à toa – a escrita de Marfuz é recheada de exemplificações de montagens e processos teatrais e assim vamos sempre trazendo os conceitos para uma tradução efetiva da cena.
E, por fim, vou me arriscar pontuando algumas questões que pude acompanhar e mapear entre os procedimentos beckettianos e a cena manauara. O livro de Marfuz centra seus exemplos na cena baiana, nos espetáculos do eixo Rio-São Paulo e nos trabalhos internacionais. Mas vou exercitar um princípio desse mapeamento na cena manauara a partir de perguntas estéticas:
– O pensamento teatral de Jorge Bandeira é influenciado por Samuel Beckett?
– A montagem O marinheiro, da Cia. Cacos realizou procedimentos da cena beckettiana?
– A dramaturgia de Marcio Souza que é tão épica tem diálogos com essa cena da implosão ou da explosão?
– Quais espetáculos manauaras desse ano são mais próximos dessa teatralidade beckettiana?
– Seriam as encenações de Taciano Soares e seu diálogo com a nova dramaturgia e com Fernando Arrabal? Ou o trabalho imagético de Douglas Rodrigues?
– Existe um ator/atriz beckettiano na cena teatral de Manaus?
Essas são questões que poderão surgir quando da leitura do excelente livro de Luiz Marfuz, que nos faz criar feixes teóricos sobre a cena contemporânea e a teatralidade da implosão.
* Wellington Júnior
Pesquisador, Diretor, Ator e Crítico teatral na cidade de Recife
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