Por Jorge Bandeira
Conheci Beckinha numa palestra no Teatro Américo Alvarez, quando ela estava retornando a Manaus depois de uma longa permanência em São Paulo. Impressionou-me sua ênfase no tema da arte, de uma arte que poderia mudar não só a vida das pessoas, mas o próprio mundo. Tempos depois consegui compreender este desejo de Beckinha. Ela não aceita nem considera o que vem de forma tímida, seja na arte ou na vida. Literalmente ela se jogou neste mundo da arte, a única possibilidade para a redenção humana, segundo seu pensamento.
Na infância Beckinha morou em Itacoatiara, onde passava suas férias, pulando no rio, subindo em árvores, comendo frutas. Foi algo muito maravilhoso. Seu único trauma foi a morte de seu cachorro. Seu pai e seu avô foram suas grandes influências para a arte. Seu avô foi inclusive palhaço de circo. Já seu apelido, Beckinha, vem de seu pai, Sr. Langbeck, e como ela carregava os rolos de filmes, a paixão de seu pai, que inclusive casou com a mãe de Beckinha por seus traços serem parecidos com uma atriz de Hollywood, Rita Hai… Este amor de seu pai pelo cinema a fez abraçar também o cinema como uma arte de paixão.
Esta paixão levou Beckinha a estudar cinema na USP, onde se debruçou nos estudos de cinema marginal, sendo inclusive aluna de Ismail Xavier e Jean-Claude Bernadet. Beckinha cita dois filmes pelos quais ela se apaixonou e que até hoje são marcos em sua vida: O Bandido da Luz Vermelha, de Rogerio Sganzerla e Cidadão Kane, de Orson Welles. O bandido é a obra que mais possui uma identificação com os estudos de Beckinha. Seus artigos e críticas deram origem a sua dissertação Os Órfãos de Glauber, sobre a cinematografia de Sganzerla e outro grande cineasta da Boca do Lixo, Júlio Bressane. Beckinha conheceu Sganzerla, o que considera uma grande influência em sua trajetória.
Em relação ao teatro, Beckinha fez seu primeiro “papel” como o menino Jesus aos seis meses. Ela escreveu várias peças de teatro, na tradição do Teatro Infantil e também da Comédia. Participou do importante grupo Grito. Foi também a grande criadora e fomentadora de excelentes atores, como o ator Angelo Monteiro, que passou a dirigir o grupo Grito. Beckinha considera o Grito o melhor grupo de que ela participou, que a levou a grandes montagens . Beckinha diz que teatro não combina com dinheiro. Ela fala de forma sincera que o que combina com dinheiro é cassino. Esta maneira de falar de forma direta e sem titubeios é que caracteriza o Teatro e a própria vida de Socorro Langbeck. Ela cita Francisco Rider, Terezinha, a Anmara, que até hoje está também nesta jornada teatral. Beckinha tem um novo projeto, um tributo ao cineasta Rogério Sganzerla.
Sobre o teatro, todos cobram seu retorno, e Beckinha diz que gostaria de fazer ainda Os Fuzis de Senhora Karrar, de Bertolt Brecht, que segundo Beckinha ainda é muito atual pelos temas em que trabalha. Beckinha é uma atriz de pulso firme, de entrega absoluta ao rigor que exige o trabalho de ator, comprovada por sua participação em Yerma. Na montagem desse clássico de Federico Garcia Lorca, carregou de forma brilhante a vida desta sofrida personagem. Beckinha é um vulcão em abulição, sua arte é rica e suas frases são famosas por carregarem um humor ácido, outra de suas características, quando diz, por exemplo, que “Manaus é a cidade onde você é o que quer ser, se quer ser ator, você é, se quer ser cineasta, você é”. Beckinha escreve muitas peças, longas ou curtas, onde ela cria personagens bastante marginais e até patéticos, pois espelham e muito sua visão de um mundo cada vez mais caótico e sem o compromisso com as grandes questões humanitárias urgentes de serem solucionadas.
Esta é Maria do Socorro Langbeck, a nossa Beckinha, que ama o teatro como amadora, que se entrega a seus projetos de forma integral, que não se entrega aos obstáculos da vida, que formou e forma artistas, e que continua assistindo a peças e filmes. Tudo o que constitui o manancial de sua aguerrida jornada. Viva Beckinha!
Manaus, 28 de setembro de 2014.
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